Sunday, March 11, 2007

Cafés, pinturas e galinhas




Quanto tempo demorei pincelando os quadros em minha mente? Já nem lembro. Era este o hábito guardado no armário de imagens diárias: pintar quadros imaginários. Às vezes eu ficava sem certas pinturas com intervalos vagos, mas quase sempre recorro às fotografias inóspitas. Ninguém as conhece senão as quatro paredes que me acompanham no itinerário sufocante entre o dia, a tarde e a noite. Ainda posso guardar alguns bons pincéis e tintas para poder pintar algumas verdades, mentiras e sonhos, mesmo quando as minhas retinas querem imitar Drummond e se cansam. Ergo até mesmo uma ponte para atravessar a porta quando os meus pés não estão repletos de chão e quando não me permito estar alado.

Fiquei observando durante longos minutos - o que já são horas - a fumaça do café que se extinguia entre a borda da xícara e a lâmpada - principal culpada em desviar a minha atenção por alguns minutos - se estivesse escuro eu nem observaria a tal fumaça. Perder algum tempo fitando o percurso do vapor que irá se extinguir quando o café esfriar e, por obrigação, ter de deixar sobre a mesa até que o garçom recolha e derrame-o na pia é um exercício supérfluo. Somos obrigados a tecer a própria coberta quando frio nos vem ao corpo.

As horas passavam e eu, sem os tais pincéis não poderia pintar o assunto que ele me contava com tanta ansiedade, suas palavras eram um café pequeno e frio, não tinham fumaça.
Sei que quando ele levantar vou pôr em meu rosto uma máscara de crença em suas palavras, levá-la-ei para minha casa depois irei desmanchá-la num ceticismo de água fria. Os ateus são bem mais práticos: não guardam dúvidas como roupas sujas que jogamos num cesto, lavam e pronto. Farei como o poeta: optarei pela verdade conforme meu capricho, minha ilusão, minha miopia. Ele fez o mesmo me contando seu meio perfil de verdade, hei de pô-la entre os objetos no vácuo do armário. Ou será que era verdade sua verdade?
Neste meio tempo de cafés, verdades e quadros imaginários deparei-me com uma única verdade “despintada” que poderia co-habitar as esquinas por onde não andei: duas galinhas-do-canto-sem-cor que acabei pintando entre uma rua e outra até chegar a minha casa; elas não estavam aqui, tampouco estarão ali, vivem entre o lá e cá, entre todos os contrários de mim.