Wednesday, November 29, 2006

O poeta

Tateou esqueletos de estrelas dependurados do céu morto. Ergueu-se. Fitou fitas coloridas no bordado da saia das fêmeas no cio. Com olhos dobrou esquinas, lenços para algibeira. Os dedos esguios amassam os guardanapos de papel, e jogam maquinalmente da sacada do quarto, para estreitos becos tortos. Menina-moça atravessa a rua pela travessa inversa; suspiro morno. Ele, poesia e silêncio. Ela, maquilagem mal posta sobre a face pueril. Poeira dos pés da bailarina é ritmo da ciranda, do canto. O pintor sozinho pinta pinturas e solidões... O tiro tirado da revista portuguesa e velha mata o velho poeta frustrado (não este), vestido no smoking ainda velho. O bêbado, sob suas pernas trêmulas treme o frio quente, caído no chão. Gemidos gemem nas bocas fechadas. De sexos sujos, fêmeas dos peitos frescos entrelaçam seus corpinhos nos corpos dos machos brutos, nascidos "das pedra do sertão". Acendem um cigarro barato. Fumaça fumada fina finda o ar. No cais, o som piegas da viola no canto esquecido do quarto da meretriz. Pardais parados e pardos piam, em gaiolas pintadas. Clarice, nua e debruçada sobre a máquina, datilografa; e do ventre acre e doce do seu cérebro sente a dor do parto. Idiotamente nasce Macabéa. Ele, o poeta arrasta os pés e entra no quarto, ato corriqueiro. Corre com os olhos úmidos. Rasos olhos. Sentou-se sobre a cama. Ali, entraram os restos do vento. Transfigurou-se. Canetas transbordam tintas e transcendem papéis. Fez palavras. Fez-se Guimarães e vestiu-as com roupas de domingo. Despiu-se. Era Clarice desnudando versos, prosas, crônicas e declarações de amor. Impaciência. Abandonou a poesia torta na linha do Equador. Sorveu duas gotas do vinho, vestiu o smoking magro e surrado. Partiu. Porta, portão. Subiu. Ladeiras, lados. Andou. Chegou. Mesa de bar. Pede o copo. A tristeza chega. Senta-se ao lado do poeta. Põe mãos sobre os ombros dele. Lágrima. O papel acaba. Dormiu o poeta pirado na minha prosa. Parágrafo e fim.

Cleilton Silva