Thursday, December 21, 2006

A menina costureira

Era a tristura da menina cega costurando os retalhos de solidão. Costurava pacientemente. Enquanto a tardança do seu contentamento estava ali, ela continuava em suas costuras. A noite prenha de estrelas pariu bem ali no canto da serra, e a luz da lua, que escoava no horizonte, chegou até os pezinhos de porcelana da pequena costureira.
A menina andou sob o lençol escuro da noite, e a estrada caminhava em seus pés, e seus pés caminhavam nos sonhos, e os sonhos se encerravam ao pé de sua dor, no fosso do seu descontentamento. A dor bulia o coração da menina, marejando os seus olhinhos mudos de água morna e salgada. Enquanto o vento ardia em febre ela entrou em sua casa, onde as rolinhas dormiam.
Quis brincar de fazer palavra, borrou tinta em papéis de silêncio pra não incomodar as paredes que também dormiam. Quis decalcar a alegria das borboletas em seus lábios... Cansou-se.
Os grilos, que brincavam na laranjeira velha, sepultavam o silêncio do seu coração. Começou a coser flores no pano branco, depois guardou em gavetas, mas as flores dilatavam seus cheiros e se extravasaram na noite, nas ruas pálidas de gente.
A pequena costureira tinha saudades amontoadas no canto do quarto, e elas compunham uma dor sem enfeites. Tinha seu piano de barro, onde esboçava o desespero do seu silêncio.
Amara João, Fernando, Ninguém. Desamou João, Fernando, Alguém.
Ela esqueceu de terminar as tristezas na barra da saia, foi repousar sobre as sombras das flores e adormeceu.
A madrugada finda e o dia joga os caquinhos de sol que alumiaam a aurora e acordam a menina.
Ela perdeu-se, virou poeira nos pés dos meninos pelados, que dançam cirandas, sem corpos.
Cleilton Silva

1 Comments:

Blogger Felipe Benevides said...

Olá minha costureira.
Estou precisando de uns pontos em algumas calças e vestidos.
Adorei!

6:48 PM  

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