Friday, April 20, 2007

A distância de mim




Quando as tardes chegavam com um andar lento e vago destorcendo o lilás claro do dia, erguiam-se as nuvens para dias cinzentos, detinha-me imaginando a chuva lenta e amorosa derramando-se por brechas de paralelepípedos. Punha-me, então, sobre meus pés erguidos, que sustentavam meu corpo esguio e malfeito, para que meus doentes olhos chegassem aos vidros baços da janela, que ficava em meu quarto.

Alongava assim a minha angústia até os tijolos avermelhados que se defrontavam à minha casa. Tinha minha vida como a uma casa de luzes apagadas, assim como eu a entrevi pela janela antiga. Detive-me por um instante na espera que o homem pálido e magro viesse até a janela com seu cigarro por entre os dedos, e dissolvesse a fumaça num copo de silêncio e vento, maculando as velhas árvores postas no canto do muro, como ontem o fez. Meu desejo remanescente de uma saudade anunciada por uma aflição.

Os passos serenos encostaram-se perto da porta esquecida atrás de mim, são os passos atravessados de minha mãe a seguir-me pelo corredor... correr.. dor... Sempre a exibir-me um sorriso estranho e dolorosamente materno... mar... terno. Escorro em lágrimas pelos olhos vazios dela, numa noite fria e demoradamente escura, repleta de cheiros de cravos e maçãs.

Escondi-me sob os lençóis até vê-la na distância de mim. O cansaço despejou meu corpo e, sonhando me percebi a fitar os anjos negros, mascarados duma cor branca e inútil. Que sempre ficavam a espreitar os homens de braguilhas abertas adubando e embriagando as flores nuas e ociosas. Acordei, e estilhaços de sonhos cobriam o chão do meu quarto. A aflição de ontem surgia em mim cortando-me nos vidros de hoje.

Constatei que a janela dele estava fechada mais uma vez, ao que meus olhos responderam com algumas lágrimas despencadas, desejosas de molhar o céu. Era já confessada toda a minha espera muda. Minha felicidade era senão uma casa de portas e janelas fechadas. Os pássaros desconfiados hesitavam em cantar e fitavam-me ansiosos, sobre os galhos do meio-dia das árvores velhas.

Depois de muitas horas, quando a noite havia enforcado o sol sobre os montes, e espalhado as estrelas pelo papel preto de céu, ele surgiu na penumbra do cigarro. Sua imagem transportava meu coração até a sua janela, no desejo que ele o guardasse entre suas magras e tímidas mãos para fechá-lo entre seus dedos.

Guiei-me até sua casa, amedrontado pelo desespero de confessar minha ternura. Minha alma chorou tímida sobre o vazio daquele terreno.Ele não existia, apenas me habitava. Morro no absurdo de uma angústia que me fez erguer aquelas paredes, telhados e árvores sobre o que nada existia senão a esperança de me manter vivo e feliz. Meus olhos traíram-me inventando uma felicidade para um coração falecido, enterrado por uma solidão escondida pelo tempo. Levo a mágoa de antecipar o cheiro das flores antes de vê-las.

Cleilton Silva

4 Comments:

Blogger Cordelizando... Poetizando... said...

Um dia falastes alguma coisa sobre um estado de mutismo causado por um texto qualquer. Agora sei o quisestes dizer. Assim estou agora. Mesmo assim não posso esconder o meu encantamento pela sua intimidade com as palavras e pela sua capacidade de criar imagens e sentimentos. O seu texto pode até estar hermético, mas, às criaturas insensíveis tudo é difícil.
Acredite em você. Eu acredito.

11:48 AM  
Blogger Cordelizando... Poetizando... said...

Um dia falastes alguma coisa sobre um estado de mutismo causado por um texto qualquer. Agora sei o quisestes dizer. Assim estou agora. Mesmo assim não posso esconder o meu encantamento pela sua intimidade com as palavras e pela sua capacidade de criar imagens e sentimentos. O seu texto pode até estar hermético, mas, às criaturas insensíveis tudo é difícil.
Acredite em você. Eu acredito.

Inamar Coelho

11:52 AM  
Blogger Felipe Benevides said...

"Levo a mágoa de antecipar o cheiro das flores antes de vê-las".

Levamos. Espero pelo dia em que o Sertão se rasgue em cores e as palavras voem para todos os cantos, mas quero que essas, e somente essas, voem. Não me cabe reafirmar o que sempre reafirmei, esses "rés" sempre me acometeram e eu tratei de te surrar de afirmações que nunca foram pequenas nem falsas. Mas você não acredita, José! "José, para onde?". Conheço cada "tijolo vermelho" e essa dor mar(terna) de ser. Sopro nos olhos da beleza para que os ciscos não impessam sua visão.

E o lirismo não seca por aí.
Por aqui ele ainda é gesso.

6:50 PM  
Blogger katine walmrath said...

por onde anda?
dá notícias.
beijos,
katine
:-)

4:46 AM  

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